Nota Técnica da Sociedade Brasileira de Imunização (SBIm) sobre dispositivos sem agulha

NOTA TÉCNICA – 22/01/2019

Dispositivos sem agulha para administração injetáveis: recomendação de uso para aplicação de vacinas

Mayra Moura

Mirian Moura

Diante das inúmeras consultas que vem recebendo acerca de novos dispositivos sem agulha para aplicação de injetáveis e seu uso para a vacinação, a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) publica esta nota técnica com o objetivo de orientar os profissionais da saúde.

Conceito

A tecnologia de injeção sem agulha é um conceito extremamente amplo, que inclui um grande número de sistemas de liberação de medicamentos através da pele usando qualquer uma das forças como: ondas de choque, pressão por gás ou eletroforese, praticamente anulando o uso de agulha.

O método não só é considerada benéfica para a indústria farmacêutica, mas também para o mundo das imunizações, já que pode ser uma boa estratégia para a adesão de pessoas com medo de agulhas — útil em programas de imunização em massa — e para evitar acidentes de trabalho.

No cenário atual, muitos pesquisadores trabalham para desenvolver mecanismos que permitam distribuir medicamentos injetáveis de maneira mais eficiente e menos dolorosa, sem prejudicar os efeitos terapêuticos ou aumentar o risco de eventos adversos locais.

Em geral, a injeção sem agulha funciona forçando a medicação líquida em alta velocidade através por meio de um pequeno orifício que é mantido contra a pele. Isso cria um fluxo ultrafino de fluido de alta pressão, que penetra na pele sem a necessidade de agulha.

Histórico de uso de dispositivos sem agulha na vacinação

Injetores sem agulha foram extensamente utilizados para vacinação no passado. Seu uso permitia a vacinação de um grande número de pessoas em um curto espaço de tempo, a baixo custo. Os equipamentos utilizavam ar sob pressão para aplicar as vacinas, que atingiam profundidades diferentes conforme a pressão utilizada, permitindo vacinação intradérmica, subcutânea ou intramuscular. A erradicação da varíola, com a vacina por via intradérmica, foi possível, em grande parte, graças ao uso desses injetores.

No entanto, a percepção de que os dispositivos da época permitiam a transmissão de patógenos como os vírus das hepatites B e C, o HIV e os retrovírus HTLV-1 e HTLV-2, fez com que eles fossem abandonados. Desde então, procura-se desenvolver injetores descartáveis ou que não permitam a transmissão de patógenos.

A maioria dos injetores de pressão atualmente disponíveis ou em desenvolvimento consiste de seringas (muitas vezes denominadas de “cartuchos”) descartáveis e um sistema de propulsão reutilizável. Há vários modelos já registrados e alguns em uso em diferentes países.

Posicionamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) 

Em 2008, a OMS elaborou um documento no qual analisava as tendências de vacinas e novos métodos de administração até o ano de 2025. Na publicação, são apresentados fatores que devem ser considerados na avaliação das novas tecnologias:

1. A alteração do dispositivo de administração de uma vacina existente e aprovada requer a geração de novos dados para apoiar as mudanças e a aprovação regulamentar do produto modificado antes que ele possa ser utilizado.

2. A natureza exata dos testes e a aprovação regulamentar serão específicas para cada caso, isto é, para cada vacina.

3. Todas as alterações exigirão a aprovação específica da autoridade regulatória nacional relevante, desde uma notificação da alteração até um novo pedido de licença biológica.

Uso internacional

Alterações na dose, via e/ou método de administração têm o potencial de afetar a eficácia e o perfil de segurança de uma vacina. Portanto, para o licenciamento de uma vacina, o Centro de Avaliação e Pesquisa Biológica (CBER) do Food and Drug Administration (FDA) baseia-se em resultados especificados nos estudos clínicos que demonstrem a segurança e eficácia da mesma em determinados públicos alvo (por exemplo, crianças, adultos ou idosos), dose, cronograma de aplicações (número de doses e intervalos entre elas), e método e via de administração especificados nos estudos.

O Centro de Dispositivos e Saúde Radiológica (CDRH) do FDA é o órgão responsável por regulamentar dispositivos médicos, incluindo os usados para administrar drogas e produtos biológicos como vacinas. Os injetores licenciados pelo FDA devem ser usados para administrar apenas os medicamentos e vacinas para os quais foram aprovados e há necessidade de citação em bula para uso com um injetor de jato específico.

Uso de dispositivos de injeção sem agulha para vacinação no Brasil

No Brasil, o injetor internacionalmente conhecido como Pharmajet Stratis® possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sob número 80117580681, com o nome de “Dispositivo de Injeção sem Agulha Pharmajet” para administração por via intramuscular e subcutânea.

Experiências internacionais com o uso de Pharmajet Stratis®

 Nos Estados Unidos, até o momento, o FDA aprovou o uso do injetor sem agulha Pharmajet Stratis® apenas para a vacina influenza quadrivalente do laboratório Seqirus (Afluria® ), em pessoas com idade entre 18 e 64 anos, pois a mesma apresenta estudo com uso desse dispositivo citado em bula.

 Na Índia, a Pharmajet fez parceria com o Serum Institute of India para comercializar a administração sem agulha da vacina tríplice viral com o sistema de injeção sem agulha Pharmajet Stratis® de 0,5mL. Foi feito um estudo clínico com a vacina MMR TRESIVAC®, já concluído e agora em Fase IV. Esse estudo foi feito com o apoio da Fundação Gates e PATH, com mais de 300 crianças com idade entre 15 e 18 meses em um período de 12 meses. Os resultados mostraram desempenho e segurança de não-inferioridade comparáveis aos da agulha e seringa tradicionais.

 Um estudo conduzido no Paquistão em 2017 avaliou positivamente a viabilidade de uso do dispositivo em campanha de massa, mas não avaliou a eficácia da vacina após administração utilizando o PharmaJet.

 O Instituto Bio-Manguinhos/Fiocruz, em 2011, conduziu estudo com o apoio da PATH para avaliar a imunogenicidade da vacina contra sarampo, caxumba e rubéola em 582 crianças utilizando o injetor Jet DSJI, dispositivo da Pharmajet geração 1 de 2009. A conclusão foi a de que a soroconversão para sarampo e caxumba foi inferior para as crianças vacinadas com o injetor, quando comparadas à técnica utilizando seringa e agulha.

Considerações para uso no Brasil

 No Brasil, até o momento, não há vacinas que incluam em sua bula a autorização para aplicação com uso de dispositivo de injeção sem agulhas.

 Não há, até o momento, recomendação específica do fabricante ou da Anvisa sobre vacinas que podem ser usadas com o dispositivo; 

 A SBIm solicitou um posicionamento aos principais laboratórios que fornecem vacinas para a rede privada quanto ao uso deste dispositivo para a administração de cada uma de suas vacinas registradas no país. Em resposta, a Sanofi Pasteur, a Pfizer a MSD informaram que não recomendam o uso de seus produtos de forma diversa da prevista em bula, sob o risco de comprometimento da eficácia e segurança. Aguardamos, ainda, o posicionamento do laboratório GSK, também consultado.

Recomendações SBIm

A SBIm se posiciona a favor da pesquisa na busca de ferramentas que possam otimizar e diminuir custos da vacinação pública e privada, melhorar a adesão da população à vacinação e aumentar a segurança para os profissionais da saúde.

No entanto, entende que mudanças na via e técnica de aplicação de vacinas, inclusive com o uso de novos dispositivos, requerem estudos específicos para cada vacina em cada faixa etária específica, para a demonstração da eficácia, segurança e a não inferioridade dos resultados já demonstrados com a utilização de seringa e agulha.

No Brasil, cabe à Anvisa definir as recomendações específicas para a aplicação de vacinas no país e a aprovação de qualquer alteração nas recomendações de bula. 

Texto retirado em: <https://sbim.org.br/images/files/notas-tecnicas/nota-tecnica-vacinacao-sem-agulha-190122.pdf>